Os animais na literatura do sertão brasileiro: ordem jurídica ou ordem de necessidade?

Autores

  • Antônio Sá da Silva Universidade Federal da Bahia.

Resumo

O objetivo deste estudo é refletir sobre uma específica forma de vida humana onde a relação com os outros animais, visivelmente orientada por um nobre sentimento de justiça, aparentemente não configura uma autêntica relação jurídica, embora lhes ofereça um estatuto moral: a vida boa humana que tem lugar no cosmo normativo do sertão brasileiro, nomeadamente aquele que me atrevo a denominar de uma ética do trabalho rural, fortemente violentada pela tecnociência e pela urbanização que dilacera atualmente a vida no campo. A metodologia utilizada foi a análise do texto narrativo sobre a forma de vida do sertão, ouvindo privilegiadamente a literatura oral (cordéis, música caipira, causos, etc.), dada sua maior proximidade com o cotidiano do trabalho rural; discutirei também alguns textos da filosofia jurídica e do direito romano, os quais nos reportam ao contexto de emergência de uma praxis especificamente jurídica e de sua emancipação de outras práticas normativas. A conclusão a que se chega, inclusive pelo estímulo de compreender melhor as fronteiras entre a ética, o direito e a justiça, foi que o discurso narrativo dos poetas do sertão brasileiro nos sugere algo mais promissor para a relação entre animais humanos e não humanos que a doutrina animalista pode oferecer: desembaraçando-se da controvertida discussão sobre a racionalidade ou sentimentos dos animais não humanos, desobrigando-se de ouvir os apelos enganosos ao estatuto da igualdade, libertando-se dos limites obrigacionais que a experiência jurídica impõe... a praxis sertaneja se orienta por um estatuto normativo cuja natureza é moral e não jurídica. A eticidade aqui sugerida se funda, sobretudo, no reconhecimento humano da mortalidade que é a única coisa que nos iguala aos animais não humanos, assim como numa concepção da vida boa que se por um lado nos responsabiliza pelo todo que constitui o habitat do sertão, por outro reconhece a especificamente da vida humana, inclusive, no limite, a possibilidade de fazermos o que fazem os animais não humanos na defesa da própria vida e cujo esquecimento, refletida na pretensão de se elevar acima deles, aparentemente constitui uma outra forma de antropocentrismo.

Downloads

Publicado

2019-12-01

Como Citar

Sá da Silva, A. (2019). Os animais na literatura do sertão brasileiro: ordem jurídica ou ordem de necessidade?. Revista Latino-Americana De Direitos Da Natureza E Dos Animais, 3(1), p. 9–24. Recuperado de https://cadernosdoceas.ucsal.br/index.php/rladna/article/view/800